Caro Manuel Alegre, Caros Amigos e Companheiros,
A questão que muita gente me põe é «porque é que tu te foste meter nisto?»
«Estavas tu, António, posto em sossego, com a tua vidinha organizada, tu que não tens filiação partidária, nem ambições políticas… porque é que te foste meter nisto, António?»
Bom, a resposta é porque não gosto de desistir antes do combate. Porque acho que não se deve atirar a toalha ao chão antes da luta. E, sobretudo, porque confio em Manuel Alegre, confio na sua equipa, confio que ele é o único candidato capaz de derrotar a candidatura que, independentemente de quem seja, objectivamente representará os interesses da alta finança e do capital especulativo, representará os interesses das camadas mais conservadoras e, direi mesmo, retrógradas, da sociedade portuguesa.
Há, no entanto, quatro razões especiais, pela positiva e quatro razões pela negativa, para apoiar Manuel Alegre.
Primeira razão, Manuel Alegre é uma garantia de defesa convicta dos valores inscritos na Constituição da República. Alguém que sabe, na pele, que a democracia política e a liberdade são bens que não têm preço, que a democracia política é indissociável da democracia representativa, que esta é indissociável da existência dos partidos, da liberdade de expressão e da liberdade de pensamento. Mas é alguém que também sabe , por experiência própria, que a democracia política não se reduz na democracia representativa, antes exige o reforço da democracia participativa, a democratização da própria democracia, cujas raízes são a participação civica, afinal aquilo que nos move, a militância cidadã, a vigilância dos poderes formais ou fácticos, o escrutínio dos decisores políticos, públicos ou privados.
Segunda razão, Alegre não tem uma visão elitista da democracia. Sabe que se não for ancorada num processo de democratização económico, social e cultural, a democracia política arrisca-se a não passar de uma fórmula mágica. Sabe que a democracia económica, social e cultural não decorre automaticamente do mercado e da concorrência, que, por definição, são mecanismos de eficiência económica, mas não mecanismos que permitam a construção duma sociedade mais justa, mais solidária e menos ignorante. O papel do Estado, de um Estado ágil, e da política, não da burocracia ou da tecnocracia, continua a ser central neste processo. O Estado é, por definição, o espaço da democracia, o espaço da política, da afirmação da política enquanto uma das mais nobres tarefas da vida colectiva. Ao Estado compete definir as linhas estratégicas dessa acção colectiva. Ao Estado compete em cada momento procurar encontrar a melhor concertação possível de interesses e perspectivas em confronto numa sociedade que é, por definição, conflitual.
Terceira razão, Manuel Alegre é um homem de cultura. Um homem corajoso, íntegro e de convicções, um humanista, alguém capaz de ouvir e de dar voz pública a quem a não tem e que não esvazia as suas convicções por meros cálculos políticos tacticistas. Alguém que se filia nas melhores tradições do liberalismo político, em matéria como a defesa das liberdades civis e políticas, a defesa do Estado de Direito e de uma União Europeia baseada no Direito, e o reconhecimento da dignidade das mulheres e dos homens e da liberdade que lhes assiste de, sem interferências do Estado a cercear a escolha dos modos de vida que só às pessoas compete, procurarem no Mundo a felicidade possível. Mas Alegre sabe igualmente que as liberdades civis e políticas não podem estar subordinadas às liberdades económicas. Sabe que a economia, como ainda há pouco foi dito, é um meio ao serviço da comunidade e não um fim em si mesmo. A defesa do Estado social e do Estado estratégico feita por Manuel Alegre entronca, exactamente, nestes pressupostos.
Quarta, Manuel Alegre é um espírito independente e um negociador capaz de aprofundar pontes. O apoio de dois partidos políticos, o PS, no Governo e o Bloco de Esquerda, na oposição, dois partidos com histórias e percursos diferentes, com visões distintas da política, da economia e da sociedada, o apoio destes dois partidos à candidatura de Manuel Alegre é exactamente a prova disso mesmo. É o reconhecimento de que Manuel Alegre é um coração independente e um homem que, sem renegar convicções sabe criar compromissos. O PS e o Bloco podem discordar em muita coisa, mas estes dois partidos, bem como outros movimentos que apoiam Manuel Alegre, compreenderam uma coisa: as eleições presidenciais não são eleições para o Parlamento e o melhor candidato, neste momento, para vencer estas eleições, derrotando o candidato dos interesses, qualquer que este venha a ser, é Manuel Alegre.
Já seria muito para apoiar activamente a candidatura de Manuel Alegre, mas há mais, agora pela negativa:
Primeiro, Manuel Alegre nunca foi Primeiro-ministro pelo que não terá a tentação perversa de se substituir ao executivo. Nem terá necessidade de fazer autocrítica, criticando o monstro burocrático, pois ele não ajudou a criá-lo. E também não dirá, com insustentável leveza, que a situação portuguesa é insustentável, contribuindo para repercussões negativas nos mercados financeiros internacionais, sem retirar dessa gravíssima afirmação as necessárias consequências.
Segundo, Manuel Alegre nunca foi Ministro das Finanças, nem teve qualquer pretensão a sê-lo, mesmo nos distantes tempos das vacas gordas, em que não havia Pacto de Estabilidade e Crescimento e escorriam rios de dinheiro vindos de Bruxelas. Não cairá assim, no pecado de reduzir a vida política ao cumprimento do Pacto de Estabilidade ou das metas orçamentais.
Terceiro, e aqui alguns dos presentes que me perdoem, Manuel Alegre não é economista. Lula também não é e nem por isso deixou de cumprir com assinalável êxito as suas funções. Não sendo Manuel Alegre um economista, não terá necessidade de o afirmar a toda a hora e de comparar-se com algum prémio Nobel da economia. Também não o veremos a fazer previsões económicas, daquelas que raramente se concretizam e se, porventura, as fizer, não terá problemas em emitir um humilde pedido de desculpas pela floresta de enganos que possa ter proporcionado. É que, confesso, já estou farto de enfatuadas declarações de pessoas que pensam que a economia é uma ciência exacta como a matemática e não economia política, que procuram impor soluções politicas em nome de leis cientificas que não resistem ao abanão de uma crise financeira mundial. Para mim, economista que não previu a crise não merece grande credibilidade. Não me posso esquecer daqueles que desvalorizaram a importância desta crise ou só deram por ela em fins de 2008.
Faço um parêntesis para afirmar que a crise é e continua a ser grave. Que esta crise nos leva a viver num estado de emergência económica. E para o demonstrar socorro-me das palavras da Comissão Europeia que há pouco tempo disse, referindo-se à União Europeia, o seguinte (e passo a citar):
«A recente crise económica não tem precedentes para a nossa geração. Os progressos graduais do crescimento económico e da criação de emprego verificados durante a última década foram anulados. O nosso PIB desceu 4% em 2009, a nossa produção industrial regressou ao nível dos anos 90 e o desemprego afecta agora 23 milhões de pessoas, ou seja, 10% da população activa da Europa. A crise foi um tremendo choque para milhões de cidadãos e expôs algumas fraquezas estruturais da nossa economia. A situação, devido à crise, tornou muito mais dicifil garantir o crescimento económico futuro. A situação ainda frágil do nosso sistema financeiro está a atrasar a recuperação dado que as empresas e as famílias têm dificuldades em contrair empréstimos, gastar e investir. As nossas finanças públicas foram seriamente afectadas atingindo os défices em média 7% do PIB e os níveis de dívida mais de 80%. Deste modo, 20 anos de consolidação orçamental foram perdidos apenas em dois anos de crise. O nosso potencial de crescimento foi reduzido para metade durante a crise e muitos projectos de investimento, talentos e ideias arriscam-se a ser desperdiçados devido à incerteza, à reduzida dinâmica da procura e à falta de financiamento»
Direi, que para sair desta crise, não basta acenar com o cumprimento das metas de Bruxelas. Ninguém se mobiliza com o cumprimento do PEC. É preciso dar uma palavra de esperança aos portugueses, a esperança de que a vida melhore e a austeridade tenha fim. E essa esperança – e não o silêncio - é
uma das coisas que se espera de um Presidente da República.
Quarta razão, que para mim não é das menos importantes: não vou ver Manuel Alegre fazer discursos de Estado em inglês, abandonando a mestria com que domina a língua mater. Atento aos valores da cultura e da identidade nacional, conhecedor da nossa história e dos nossos principais pensadores, será um presidente que procurará contribuir para que o português, a sexta língua mais falada no Mundo, tenha o reconhecimento de estatuto de língua internacional em todas as organizações internacionais. Direi mais, neste particular, será certamente um seguidor de um outro Presidente da República, Mário Soares, a quem, honra lhe seja feita, nunca ouvi um discurso de Estado em inglês.
Quem seguir a imprensa e ler ou ouvir a maioria dos fazedores de opinião, em especial aqueles que representam as vozes dos interesses, dá conta de um certo nervosismo que, nos últimos dias, começa a instalar-se.
Dois exemplos: o eterno Professor, aquele que de manhã quando se vê ao seu espelho pensa «eu deveria chamar-me Eu…génio» e que , pela centésima vez, qual autor à procura duma personagem, faz os treinos para a próxima campanha presidencial, vem no seu inconfundível estilo aconselhar Edite Estrela a ter um discurso de apoio a Manuel Alegre mais inteligente (o seu?), ao mesmo tempo que garante, não sei bem como, que o actual Presidente da República é e será no próximo mandato um esteio de estabilidade política. No fundo, o que pretende evitar é que seja feito um balanço político da acção do actual Presidente da República, pois esse balanço revela fragilidades políticas inadmissíveis; e, não raro, criou crises artificiais, como no caso dos Açores, silêncios estridentes, como na apreciação da crise financeira e confusões entre a pessoa e a representação institucional, como no caso Saramago.
Segundo exemplo: um recente comentário de um literato, eternamente à procura da Glória, daqueles que de tudo falam porque de tudo sabem. As declarações de Manuel Alegre a propósito das decisões sobre o reforço da supervisão a priori sobre os orçamentos nacionais dos Estados Membros, foi objecto de um comentário tipo chicana, um comentário que afinal revela o grande desconhecimento das matérias por parte de quem o escreveu. Em primeiro lugar, converte essa instituição máscula que é o Ecofin na Ecofin, atribuindo-lhe o sexo feminino. Em segundo lugar, mais grave ainda para quem tem uma esmerada educação britânica, comete um enorme erro de tradução, fala de uniformidade fiscal, quando quer falar de uniformidade financeira. E no resto do comentário limita-se a copiar uma técnica do nosso conhecido Professor. Começa por afirmar que, por um lado, no plano formal, Manuel Alegre até tem razão, mas na substância não, pois há é que apoiar a posição dos credores. E esquece-se que o plano formal é o plano do direito, é o plano que legítima ou não as decisões tomadas no plano politico. Esta desvalorização do plano formal está nos antípodas do liberalismo político que diz defender, assente nos conceitos de Estado de Direito e de Comunidade de direito. De resto, quando Manuel Alegre diz que a decisão “belisca” a soberania portuguesa, não diz mais do que aquilo que foi dito pelo Presidente do Conselho Europeu na véspera, a 6 de Setembro, quando este afirmou que (passo a citar) «o endurecimento da disciplina orçamental «representa, no fim de contas, uma cessão da soberania a Bruxelas». Nem mais, nem menos. Dito pelo Presidente do Conselho Europeu isto é aceitável, dito pelo Manuel Alegre, não é. Ora, a verdadeira questão é que essa cessão, pelo menos por agora, não resulta, de facto, nem dos Tratados, nem sequer de nenhum regulamento europeu. Resulta apenas de um mero código de conduta que, a exemplo de outros, são instrumentos que, a meu ver, deveriam ser cada vez mais erradicadas da Europa, se a Europa quiser seguir o caminho duma sociedade democrática. E, mesmo no conteúdo, ainda hoje o Professor Daniel Bessa dizia que provavelmente a decisão que foi tomada no Ecofin não vai servir para nada, não acrescenta nada em relação aquilo que já existe. E, de facto, assim parece. De qualquer modo, o que pretende este comentador é uma outra coisa. O comentário tem apenas por objectivo colar a candidatura do Manuel Alegre a um dos partidos politicos que a apoia. É portanto pura propaganda política de campanha eleitoral e sem a fiscalização da entidade de contas.
Amigos e companheiros,
Vamos fazer uma campanha austera, uma campanha que não vai ter grandes gastos, porque essa deve ser a filosofia das campanhas, ainda mais, numa época de austeridade. Desafiamos que as outras candidaturas façam exactamente o mesmo. A austeridade quando nasce é para todos.
Uma campanha austera, mas entusiasta e inventiva. Pensamos que será muito importante a participação da juventude nesta campanha, porque os valores que são defendidos por Manuel Alegre não são valores do passado, do antigamente, que já morreram, como alguns tentam fazer crer em nome de uma qualquer pós-modernidade. Bem pelo contrário, são valores de sempre. Até hoje nenhum dos problemas que a pulsão especulativa do capitalismo nos trouxe está verdadeiramente resolvido.
O caminho é difícil, mas a meta não é impossível de atingir: Manuel Alegre não tem certamente duas mil notícias sobre si nos últimos anos nas televisões e noutros meios de comunicação. Mas terá a força da razão.
É necessário que isto seja dito: o principal adversário da campanha de Manuel Alegre é a abstenção. Se esse adversário for vencido, a segunda volta está ao seu alcance. E se atingir, como espero, a segunda volta, a sua vitória é possível e desejável. Desejável porquê? Porque é tempo de ter esperança. Desejável sobretudo porque, na Presidência da República, Portugal merece melhor. É tempo de não termos medo de termos um homem de cultura na Presidência.
Viva Manuel Alegre,
Viva Portugal!
António Carlos dos Santos
Mandatário Financeiro